Religião e Psicologia

A relação entre psicologia e religiosidade é um tópico complexo e multifacetado que tem sido estudado e debatido ao longo dos anos. Ambas as áreas abordam aspectos profundos da experiência humana, podendo entrar em conflito ou coexistir harmoniosamente, dependendo das perspectivas individuais e das abordagens adotadas.

Historicamente, a religião desempenhou um papel central na compreensão da natureza humana e no desenvolvimento de valores, normas e ética. A psicologia emergiu como uma disciplina científica relativamente recente, procurando compreender a mente e o comportamento humanos através de métodos empíricos. A tensão inicial entre as duas áreas decorreu em parte da crença de que a religiosidade não era compatível com a abordagem científica.

No entanto, sabe-se que a religiosidade pode desempenhar um papel significativo no bem-estar psicológico de algumas pessoas. A fé religiosa pode fornecer apoio emocional, um senso de propósito e significado na vida, bem como uma comunidade de apoio. Mais ainda, a crença num “poder superior” também pode providenciar conforto em momentos de dificuldade. Por exemplo, o estudo da Pew Research Center que envolveu pessoas de 26 países, demonstrou que pessoas religiosamente ativas tendem a ser mais felizes e menos propensas a fumar ou consumir bebidas alcoólicas. Ao mesmo tempo, a religiosidade pode também ser fonte de conflito e stress psicológico. Questões como culpa religiosa, conflitos de valores e dúvidas sobre a fé podem gerar angústia emocional.

Além da religiosidade organizada, a espiritualidade também é um conceito relevante na interação entre psicologia e religiosidade. Algumas pessoas consideram-se espirituais, e não, necessariamente, religiosas. A espiritualidade pode envolver uma busca por significado e conexão com algo “maior”, independentemente de uma afiliação religiosa específica.

A psicologia moderna tem explorado a religiosidade e a espiritualidade a partir de várias perspectivas. A psicologia da religião estuda a forma como as crenças religiosas impactam o comportamento humano, a saúde mental e o desenvolvimento pessoal. Estudos têm examinado questões como o papel da religião na adaptação a eventos stressantes, o desenvolvimento moral e a influência da religiosidade na tomada de decisões. A espiritualidade desempenha um papel crucial como um mecanismo de coping para pacientes com cancro, por exemplo, levando a melhorias significativas na sua qualidade de vida. Estes pacientes tendem a ter menores níveis de ansiedade, depressão e desesperança, aumento da adesão ao tratamento e encorajamento da cooperação com os médicos (Matos, 2016).

Em Portugal, o número de católicos tem vindo a diminuir, enquanto a percentagem dos que se afirmam sem religião sofreu um aumento. Em 2021, 80,2% dos portugueses declararam-se católicos (versus 88,3% em 2011 e 95% em 1991); 14,09% desta população considerou-se sem religião (versus 7% em 2011 e 3% em 1991). O número de portugueses que afirma ser protestante/evangélico sofreu um aumento de 1,2% entre 2011 e 2021 (de 0,9% para 2,1%), enquanto o grupo das pessoas com outra religião passou de 2,6% para 2,9% (INE, 2021).

Numa época onde a diversidade de religiosidade e espiritualidade está cada vez mais acentuada, os profissionais de saúde mental devem adotar uma abordagem de respeito a qualquer religião e/ou espiritualidade, procurando ativamente entender como as crenças de um indivíduo afetam a sua saúde mental. Quando relevante para o cliente, a integração das dimensões religiosas ou espirituais pode ser parte das abordagens terapêuticas, mas na maioria dos casos, o profissional deve adotar uma perspectiva neutra, de forma a não expor a própria convicção religiosa e a evitar abordar esses tópicos quando não conveniente para a intervenção terapêutica.